Muito antes de Juscelino Kubitschek idealizar Brasília, a ideia de construir uma nova capital para o Brasil já era debatida no século 19. Um dos argumentos dos apoiadores da proposta fazia referência ao chamado “sonho profético” do sacerdote italiano Dom Bosco.
Em 30 de agosto de 1883, Dom Bosco teria relatado uma visão na qual previa uma cidade semelhante a Brasília, que seria inaugurada quase 80 anos depois, em 1960. Durante o sonho, ele teria mencionado as coordenadas que coincidiriam com a localização da futura capital e até a criação do Lago Paranoá. Essa narrativa foi usada por defensores da construção da cidade na década de 1950 como inspiração para o projeto.
No entanto, não há evidências concretas de que o sacerdote tenha realmente se referido à capital brasileira.
O relato de Dom Bosco sobre sua visão está registrado no 16º volume do livro “Memórias Biográficas de São João Bosco”. Durante a experiência, descrita como um sonho que durou toda uma noite, o religioso disse ter “viajado” pela América do Sul, mesmo sem conhecer a região. A narração completa é longa, mas a parte interpretada como uma possível referência a Brasília ocupa apenas algumas linhas.
Conhecido por sua capacidade de ter sonhos intensos e vívidos, Dom Bosco era visto por muitos católicos como alguém dotado de dons proféticos. Por outro lado, não há confirmações históricas que associem diretamente o sonho à capital brasileira.
Entenda o sonho de Dom Bosco no Brasil
A interpretação de Monteiro Lobato
Na década de 1930, o escritor Monteiro Lobato utilizou o conceito de sonho para apoiar a causa da exploração de petróleo no Brasil. Ele fez referência ao sonho de um sacerdote que mencionava a grande riqueza de petróleo na América do Sul.
“Tinha debaixo dos olhos as riquezas incomparáveis daqueles países, riquezas que um dia serão descobertas. Via numerosos filões de metais preciosos, minas inexauríveis de carvão, depósitos de petróleo tão abundantes como nunca se encontraram até então em outros lugares”, narrou o sacerdote.
A interpretação do sonho de Brasília
No livro “Brasília: Memória da Construção”, do historiador Fernando Tamanini, foi destacado o conceito de sonho que foi utilizado para promover a construção da nova capital brasileira.
De acordo com a obra, na década de 1950, o jurista goiano Segismundo Mello propôs ajustar o sonho para justificar a criação de Brasília e a mudança da capital para Goiás. Para isso, ele teria solicitado ao padre salesiano Cleto Caliman a tradução do texto original, escrito em italiano, para o português.
Segundo a investigação de Tamanini, ao perceber que o conteúdo do sonho não apresentava uma conexão direta com Brasília, Segismundo pediu que o padre adicionasse a palavra “civilização” ao texto traduzido.
“Mas isso não era tudo. Entre os paralelos 15º e 20° havia um leito muito largo e muito extenso, que partia de um ponto onde se formava um lago. Então uma voz disse repetidamente: quando escavarem as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá aqui a Grande Civilização, a Terra Prometida, onde correrá leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.
Houve profecia?
Dom Bosco faleceu em 1888, sem nunca ter tido a oportunidade de confirmar ou negar se seu sonho fazia referência à futura capital do Brasil. Mesmo assim, o sonho foi incorporado à história de Brasília e permanece vivo na memória dos moradores do Distrito Federal.
A Ermida Dom Bosco foi a primeira construção inaugurada na cidade. Para historiadores, a edificação representa a “materialização da profecia” associada ao sonho do sacerdote.
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